Black Mirror - 4ª Temporada e o triste fim de um ótimo conceito


Me lembro de ter ouvido falar de Black Mirror ano passado, quando o alvoroço pela série começou. Lembro que a primeira coisa que imaginei era que a série não devia ser tão boa assim, afinal, virou modinha. Mas a série me surpreendeu. Ai eu vi a primeira temporada da Netflix e achei o problema.

Enquanto os 7 episódios da Channel 4 são todos ótimos e definiram o tom e o tema da série. Black Mirror trata da relação entre as pessoas, intermediada pelas tecnologia de comunicação e informação, nunca se posicionando a favor ou contra, sempre com finais extremamente ambíguos. Podemos ver isso na relação esposa e marido em The Entire Story of You, em que coloca a verdade em posse do marido ciumento, deixando sensações mistas de tristeza, surpresa e desespero. Outro exemplo é o fim de White Bear, onde vemos que estávamos do lado de uma infanticida durante todo o episódio, no mesmo momento em que revela seu tema: a relação entre o público de um crime (aqueles que não são vitimas ou criminosos, nem próximos deles) e o criminoso.



Na temporada do serviço de streaming, porém, as coisas se tornam mais amigáveis a um público maior. Temos finais claramente bons (San Junipero) e ruins (Playtest e Men Againt Fire), até mesmo alguns com cliffhangers no final (Hated in the Nation), não é por acaso que os únicos episódios que realmente tem coesão com o material original sejam aqueles ainda não mencionados (Nosedive e Shut Up And Dance). Esse mudança afetou muito a qualidade da série e da para ver a mão da produção da Netflix no processo criativo, coisa que era seu diferencial em relação a um estúdio ou canal de TV comum.

Não vou entrar em detalhes sobre as temporadas anteriores a quarta, uma resenha da série inteira não é meu objetivo aqui, mas creio que já deu para perceber minha opinião geral sobre a nova temporada. Black Mirror volta nesse final de ano com episódios de estrutura problemática, finais felizes e com propósito, se tornando uma prova viva que a terceira temporada não foi um erro. Sem mais delongas, às resenhas dos episódios.


USS Callister começa bem. Um nerd gênio explorado por um amigo extrovertido em uma empresa de tecnologia/entretenimento, que passa a gostar da nova funcionária, a qual seu amigo explorador começa a flertar. Uma história bem clichê, se o nerd não fosse o filho da puta.

E é essa virada, preanunciada com cenas de abuso dentro da simulação feitos pelo oprimido Robert Daly, que me fez ficar triste pelo final comum do episódio. As cópias dos companheiros de trabalho de Daly conseguem fugir para da simulação, não morrendo no processo, como haviam previsto, e sim indo parar na versão MMO da simulação pessoal em que estavam presos, e o vilão fica preso eternamente em uma simulação sem planetas ou estrelas.

É bem triste ver o potencial que esse episódio tem ser desperdiçado em uma tentativa de tornar a série mais palatável. Uma pena, a posição de Daly frente a tripulação é quase uma caricatura do Capitão Kirk de Star Trek, o que seria uma baita crítica a todo esse culto a década de 80 dos dias de hoje.


Arkangel foi o segundo episódio que vi. Para quem não sabe, tirando talvez Black Museum, todos os episódios podem ser vistos sem uma ordem definida. Mas lá fui eu seguir a ordem que a plataforma me dava. E isso me deu uma leve esperança sobre a temporada e me fez continuar a ver mais dela.

Não é que o episódio seja sensacional, longe disso. Arkangel é bom, é bem próximo do Black Mirror raiz, tirando talvez o fato do final não ser nenhum pouco ambíguo em relação a ser feliz ou não. Só que esse mesmo final, e grande parte do episódio, troca totalmente os valores que você teria sobre as posições da mãe e da filha, e isso te dá aqueles sentimentos mistos tão comuns a um final de episódio da série.

O problema é que o episódio tem diversos finais muito bons, o que faz a dinâmica dele chacoalhar por alguns momentos. Um exemplo é a cena em que a filha não consegue ver o avô infartando por causa do filtro de seu aparelho de monitoramento maternal. Se o episódio caminhasse para esse fim, e para a cena seguinte, com a filha apática "vendo" o rosto da sua mãe como um borrão enquanto ela chora no tumulo de seu pai, seria simplesmente sensacional. Mas o avô não morre nesse cena em questão, ele vive mais um pouco e morre de outra causa que não é mostrada, a mãe chora e o episódio continua.

O segundo problema, inclusive em sequencia cronologia a último exemplo, é a indeterminação do tema tratado. Claro, o que é tratado é a relação de controle entre mãe e filha. Porém, em alguns momentos Arkangel flerta com outras questões, principalmente envolvendo a educação da criança sobre conteúdos proibidos para ela. Em determinado momento, a filha, ainda criança, sem conseguir saber o que é sangue (e nem ouvir detalhes contados por outros porque o filtro os deixa mudo), se perfura em um misto de curiosidade e raiva impotente.

O que me frusta mais nesse episódio é que seria possível pegar os temas tratados e quebra-los em até três deles. E eles com certeza ajudariam a melhorar a qualidade geral da temporada.


Se eu me frustrei um pouco com Arkangel, Crocodile quase me fez ficar em depressão. Não é um episódio de Black Mirror, definitivamente. As únicas tecnologias aqui são um veículo de pizza sem piloto que atropela um pedestre e uma máquina de captar memórias usadas por agentes de seguro. Mas o plot é do caralho, por mais que a execução deixe algumas coisas a desejar.

O caminho do episódio pode parecer ter sido óbvio depois de vê-lo, mas com certeza ele não é. Você não espera a primeira morte, a segunda você ainda guarda esperanças que a vítima vai ter alguma salvação, a terceira é mais óbvia, mas a quarta definitivamente é inesperável (eu achava que ela ia acabar ter que cuidar da vítima e passar o resto da vida com aquela coisa nas costas).

Pra finalizar, a última cena tem um coral de crianças cantando uma música onde as exatas estrofes cantadas combinam totalmente com o que aconteceu durante o episódio. Uma obra muito boa, se fosse publicada sobre outra marca. Mas esse episódio podemos deixar passar, né?


San Junipero, quarto episódio da terceira temporada (curiosamente, ou não, Hang the DJ também é o quarto episódio de sua temporada), é uma das coisas que mais odiei nas produções da Netflix. A dinâmica do episódio é muito boa, a revelação é feita de forma maravilhosa e o roteiro, tirando a decisão final de Kelly, é muito bom. MAS NÃO É BLACK MIRROR PORRA!

Para piorar tudo, esse episódio é adorado por uma boa parte do público e começou a série pela Netflix, e eu tenho quase total certeza de que isso afetou a nova temporada e Hang the DJ é minha primeira prova meretíssimo.

O episódio entretém? Sim. A revelação é bom? Na verdade é sensacional (não me venha falar que você esperava por ela, vai). Mas o final é feliz... Mais uma vez feliz. Juntando-se a isso, ele não é tão bom em estrutura quanto seu irmão da terceira temporada. No fim Hang the DJ só me deixou uma péssima sensação quanto ao futuro da série nas mãos da Netflix.


Primeiramente, ninguém me tira da cabeça que o episódio só é preto-e-branco para esconder a qualidade gráfica dos 'cachorros'. Sério, essa coloração não teve nenhum propósito.

Em segundo lugar: o episódio. Metalhead já está virando um negócio semi-cult, cheio de gente tentando interpretar os ursinhos, os porcos, as pessoas com que a personagem fala no comunicados, mas lá no fundo não tem nada tão profundo assim. Ele não contextualiza muito (o que vejo com bons olhos), mas nem por isso ele da margem a tantas interpretações como a galera quer que tenha.

O grande problema desse episódio para mim é que ele é só perseguição. Eu entendo a relação de troca entre presa e predador, demonstrada na relação porco-humano-'cachorro' (isso sim está lá no episódio), mas tirando a primeira morte, realizada pelo 'cachorro' de forma sem vida como se fosse uma tarefa cotidiana, esse tema não me toca mais durante os minutos seguintes.

Não é de todo ruim, ele é tenso e te faz torcer pela personagem principal o tempo todo, e te dá um final que você sente a tristeza e o desespero daquela situação. Mas faltou alguma coisa que eu ainda não descobri o que é.


Por fim, o melhor episódio da temporada, até a conclusão final. Black Museum mostra três história, que no fim se juntam na forma de desenvolvimento tecnológico, todas elas bem Black Mirror. O problema é que esses contos são feitos em uma história principal, com um final próprio e envolvimento emocional.

A primeira história é maravilhosa e poderia ser um episódio próprio sem problemas. A segunda também, mas me incomoda como as pessoas tratam as consciências virtuais como se não fossem reais. Chega até a ser estranho ver o marido que transfere a consciência da sua mulher para sua cabeça, matando seu corpo real, só para dar a oportunidade dela sentir o abraço de seu filho, tratar ela meses depois como se fosse só uma coisa. Não compro essa apatia por consciências virtuais em pessoas normais, só nos malucos como o Dally de USS Callister e o Matt Trent de White Christmas.

Já a terceira história, com relação direta com a história principal, é bem caída. Isso porque ela cai no óbvio. Para fazer com que fiquemos com pena do condenado, como se a tortura infinita já não bastasse, somos introduzidos a possibilidade dele ser inocente, o que acaba virando um problema. Devemos achar ruim o fato de alguém ser torturado, como em White Bear, ou com a possibilidade dele não merecer essa tortura? Se fosse um assassino de verdade seria tudo OK?

Não bastando isso, tenta-se introduzir uma questão étnica, com o condenado sendo negro e alguns supremacistas brancos, que estão na história só pra dar esse tom, aproveitando a tortura infinita de sua consciência virtual.

E, claro, final feliz. A vingança é feita e a mãe suicida estava na cabeça da filha.

Trágico.


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